Existe uma crença popular de que medicamentos naturais, como os chás terapêuticos, ervas medicinais e fitoterápicos, são mais saudáveis do que os medicamentos industrializados. É comum alguém se recusar a tomar, por exemplo, um antidepressivo para ansiedade e preferir fazer uso de chá de capim limão, acreditando ser uma solução mais saudável, com menos riscos. "Remédio é química, o chá é natural".
O que talvez a maioria das pessoas não saibam é que para qualquer remédio, seja natural ou industrializado, ter algum efeito terapêutico, deve existir nele alguma substância química que irá agir no corpo. E essas substâncias químicas presentes nas plantas costumam ser semelhantes às industrializadas.
Vamos para um exemplo:
O Rivotril tem como princípio ativo o clonazepam, droga com alguns efeitos no cérebro, entre eles o alívio dos sintomas ansiosos. Para ter esse efeito, o clonazepam age nos receptores GABA presentes nos circuitos cerebrais relacionados à ansiedade, provocando alívio dos sintomas.
No chá de camomila há diversas substâncias ativas, entre elas a apigenina. Ela também age nos receptores GABA dos circuitos de ansiedade de forma semelhante ao clonazepam. Ou seja, independente de ser natural ou não, as substâncias químicas ativas de ambas são semelhantes.
Mas aí vem a argumentação: "Pelo menos o chá é natural, faz menos mal pra saúde! Tem menos efeitos colaterais!".
Será?
Remédios naturais podem ser perigosos!
Quando prescrevo um Rivotril 0,25mg, eu tenho certeza de que cada comprimido contém 0,25 miligramas de clonazepam, produzido com todo o rigor de pureza e qualidade de um grande laboratório, submetido à fiscalização sanitária. Isso nos dá uma certa previsibilidade dos efeitos que cada dosagem de Rivotril pode ter, tanto efeitos terapêuticos quanto colaterais, além da segurança com a qualidade do produto.
E quando tomamos uma caneca de chá de camomila, quantos miligramas de apigenina estamos ingerindo? A quantidade de apigenina ingerida vai ser influenciada pelo volume de chá (foi uma caneca ou uma xícara?), pela concentração (o chá estava mais aguado ou mais forte?) e pela qualidade da erva (qual a procedência dessa erva? Foi exposta a agrotóxicos, contaminantes, fungos? A planta tomou mais sol ou passou por um longo período nublado ou chuvoso? Foi colhida no verão ou inverno? Foi bem armazenada depois de colhida?).
Vejam só quantas variáveis que podem existir em um simples chá! Por esses motivos é quase impossível sabermos a quantidade de apigenina e de outras substâncias ingeridas quando um paciente diz que toma uma caneca de chá de camomila…
E o perigo dessa falta de controle existe porque remédios naturais também têm efeitos colaterais, risco de superdosagem, interação medicamentosa, uso abusivo e dependência. Regularmente temos casos graves de hepatite medicamentosa, até hepatite fulminante, causados por chás medicinais que entram na moda.
Não estou querendo demonizar as substâncias naturais e o conhecimento popular a respeito delas. Pelo contrário! A riqueza de medicamentos que podemos encontrar nas plantas e fungos é impressionante! A farmácia como ciência tem muito o que aprender com a sabedoria popular e ancestral.
Mas é importante termos ciência de que remédio natural é remédio, com seus riscos à saúde se utilizado de forma errada, exigindo a mesma responsabilidade como com qualquer medicamento, e a automedicação deve ser igualmente evitada!
Então, antes de usar qualquer medicamento natural, consulte seu médico de referência.