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Destaques

Vou ter que tomar remédio para sempre?

Uma das perguntas mais frequentes no consultório de psiquiatria é se o paciente terá que tomar o medicamento para sempre ou por um longo período. A resposta é: depende. A duração do tratamento psiquiátrico depende de diversos fatores. Não existe um padrão de tempo e nem sempre conseguimos prever a sua duração. Alguns diagnósticos exigem tratamentos prolongados, podendo se estender por toda a vida, como é o caso da esquizofrenia ou do transtorno bipolar. No caso da esquizofrenia, trata-se de um transtorno incurável, e a sua condição pode piorar progressivamente ao longo da vida. A interrupção da medicação pode resultar no retorno dos sintomas positivos (delírios e alucinações), e o tratamento a longo prazo pode garantir melhor qualidade de vida melhorando os sintomas negativos (como as dificuldades sociais, redução das demonstrações de emoção e falta de prazer nas atividades diárias). No transtorno bipolar, o tratamento contínuo pode evitar novos episódios de mania e depressão, bem como...

Não banalize o TOC

No nosso dia a dia, é muito comum ouvirmos alguém dizer que tem TOC, se referindo a algum hábito repetitivo, se é extremamente organizada ou rígida com limpeza. É um termo usado, inclusive, com tom humorístico ou pejorativo: "ela é chata com faxina, tem TOC de limpeza", "sabem que tenho TOC, eu sou muito perfeccionista". Mas, para a psiquiatria, o TOC está longe de ser algo engraçado.
O que significa Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)?

O TOC é caracterizado por pensamentos obsessivos associados a comportamentos compulsivos.

Pensamentos obsessivos são pensamentos intrusivos, que invadem nossa mente, de difícil controle. Quem sofre de TOC simplesmente não consegue evitar que esses pensamentos venham. Eles têm algum tema específico, como morte própria ou de algum ente querido, acidentes, adoecimento, contaminação, descontrole de raiva, agressividade, sexualidade. Muitas vezes tem conteúdos impossíveis ou bizarros, como achar que a comida tem veneno, uma mãe que tem medo de esfaquear seu filho, alguém ter medo de chegar perto de uma janela e pular, mudar de orientação sexual, perder o controle e querer ter relação sexual com familiares. Pensamentos tão bizarros que a pessoa tem vergonha de expor, até para profissionais, guardando-os para si e sofrendo em silêncio...

Quem sofre de TOC tem total certeza de que esses pensamentos não fazem o menor sentido, mas eles invadem a mente de forma tão intensa e repetida que a pessoa passa a questionar a realidade e sua sanidade mental constantemente. Não são vozes fora da cabeça, ou seja, não são alucinações, mas sim seus próprios pensamentos, só que tão intensos que muitos pacientes descrevem como vozes dentro da cabeça.

Imaginem a dor de uma mãe que ama seu filho, que protege e cuida, ser constantemente invadida por pensamentos de "se eu pegar uma faca perto dele, posso esfaqueá-lo", sabendo que isso não irá acontecer, mas sendo tão refém dos pensamentos obsessivos que tem muito medo de que isso aconteça, ao ponto de não chegar perto de facas ou até de evitar o filho, e sofrendo muito com isso.


Então, vem o comportamento compulsivo. Compulsões são comportamentos conscientes, padronizados e repetitivos. A pessoa deseja não realizar, sabe que ele é um comportamento que não deveria existir, mas não realizá-lo gera muita ansiedade. No TOC, o comportamento compulsivo vem com o intuito de aliviar a angústia gerada pelo pensamento obsessivo. Porém, esse alívio é curto. Logo depois vem os sentimentos de culpa e ansiedade. E a ansiedade gera mais pensamentos obsessivos. É um triste ciclo vicioso…

Vamos exemplificar com o clássico TOC de limpeza: A pessoa é constantemente invadida por pensamentos de que ela está sendo contaminada por bactérias que irão matá-la. Ela sabe que, racionalmente, isso não faz sentido e que não há a real necessidade desse medo, mas os pensamentos são tão fortes e incontroláveis que ela passa a duvidar da realidade, a ignorar a razão, e desenvolve um comportamento compulsivo de limpeza. Mas não é uma simples limpeza, e sim lavar as mãos constantemente ao ponto de machucar a pele, de andar com as mãos para cima para não tocar em nada, de passar horas todos os dias fazendo faxina, de estragar objetos de tanto utilizar produtos de limpeza. Essa compulsão impede de ter uma vida normal, sendo refém da limpeza. Sempre buscando aliviar esse medo da contaminação. Novamente, esse alívio é curto, gera ansiedade e o ciclo recomeça.

A compulsão não é, necessariamente, um comportamento físico, podendo aparecer em forma de mantras ou frases repetidas. Mantras falados, como ter que rezar dez “Pai-Nossos” antes de sair de casa com medo de que ela seja invadida, e, se não fizer, vem o sofrimento, tendo que sair do trabalho ou voltar de uma viagem…
Eu costumo dizer que o TOC é uma prisão. O paciente não consegue ter paz e vive em função dos pensamentos obsessivos e da luta contra eles, ficando preso nos comportamentos compulsivos. Nem todo comportamento obsessivo-compulsivo pode ser caracterizado como TOC, algumas pessoas têm uma personalidade mais obsessiva e vivem bem assim. Mas quando esse padrão obsessivo-compulsivo se torna tão importante ao ponto de atrapalhar a vida da pessoa, pensamos na doença, no Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

Então, devemos ter cuidado com o uso do termo TOC, pois é um transtorno sério e que gera muito sofrimento. Futuramente, falarei sobre o tratamento do TOC, a neurologia envolvida e outras informações. Mas, caso esteja passando por algo parecido com o descrito acima, procure a ajuda de um psiquiatra ou psicólogo. Por pior que seja, o TOC tem tratamento.




Dr. Lucas B P Carneiro
Médico pela UFMG
PG psiquiatria
Editor do blog Cuidar da Mente

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