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Destaques

Vou ter que tomar remédio para sempre?

Uma das perguntas mais frequentes no consultório de psiquiatria é se o paciente terá que tomar o medicamento para sempre ou por um longo período. A resposta é: depende. A duração do tratamento psiquiátrico depende de diversos fatores. Não existe um padrão de tempo e nem sempre conseguimos prever a sua duração. Alguns diagnósticos exigem tratamentos prolongados, podendo se estender por toda a vida, como é o caso da esquizofrenia ou do transtorno bipolar. No caso da esquizofrenia, trata-se de um transtorno incurável, e a sua condição pode piorar progressivamente ao longo da vida. A interrupção da medicação pode resultar no retorno dos sintomas positivos (delírios e alucinações), e o tratamento a longo prazo pode garantir melhor qualidade de vida melhorando os sintomas negativos (como as dificuldades sociais, redução das demonstrações de emoção e falta de prazer nas atividades diárias). No transtorno bipolar, o tratamento contínuo pode evitar novos episódios de mania e depressão, bem como...

Você não é um diagnóstico!

"Qual é o meu diagnóstico, doutor?"

Não é incomum os pacientes sentirem angústias para receberem um diagnóstico. E é compreensível! Eles estão sofrendo e desejam saber o que está acontecendo.

Porém, não somos diagnósticos. Somos seres humanos, complexos, com nossas histórias, experiências, sentimentos e genética, com nossa própria circuitaria cerebral. "Depressão" não significa a mesma coisa em Maria e em Ana; cada uma terá a sua "própria depressão".

Para a psiquiatria a classificação em diagnósticos, uso de critérios como DSM-V, de códigos como a CID-10, tem uma função muito mais classificatória do que terapêutica. Claro, a classificação é importante e pode guiar nosso tratamento, e é assim que funciona classicamente a psiquiatria. Porém, para uma vertente focada na psicofarmacologia e neurobiologia, o tratamento pode ser feito não baseado em diagnósticos e sim em sintomas.

Tratamento baseado em sintomas

Como disse acima, nós não somos diagnósticos, não somos doenças. Então simplesmente tabelar diagnósticos e tratamentos, por exemplo "depressão se trata com estas medicações, caso não funcione, acrescente estas medicações", pode ser uma abordagem simplista e não atingir toda a melhora possível ou, ainda, gerar efeitos colaterais.

Há uma vertente da psicofarmacologia que defende uma estratégia de raciocínio neurobiológico, em que são considerados a anatomia dos circuitos cerebrais que regulam cada sintoma e os neurotransmissores que regulam esses circuitos. Com essas informações é possível guiar para a escolha racional das medicações, visando a ação focada nos circuitos em que queremos atuar.

Entendemos os sintomas que o paciente apresenta...


E associamos à disfunções hipotéticas dos circuitos cerebrais.

Essa não é uma abordagem fácil, exige um estudo rigoroso da neurobiologia e da farmacologia. Necessita de uma escuta longa e detalhada das queixas do paciente. Exige também humildade de sabermos que ainda conhecemos pouco da imensa complexidade do cérebro humano, que nem todos os circuitos cerebrais e neurotransmissores foram mapeados e, mais difícil ainda, associados a sintomas psíquicos. Não significa também que é a melhor abordagem na psiquiatria. Porém, usando com responsabilidade as informações que já temos sobre a neurobiologia, essa pode ser uma estratégia interessante de tratamento.

Uma medicação pode ser um verdadeiro "canivete suíço" de ferramentas farmacológicas.

Por fim, cabe ressaltar que isso não significa que reduzimos também os pacientes simplesmente a circuitos e neurotransmissores. Somos seres humanos, cada um na sua complexa individualidade e nenhuma simplificação é válida. Então, para o verdadeiro sucesso em um tratamento, devemos levar em conta toda essa complexidade, psicológica, pessoal, sentimental e neuroquímica. Lembrando sempre que o objetivo maior é o bem estar de quem queremos ajudar.



Dr. Lucas B P Carneiro
Médico pela UFMG
PG psiquiatria
Editor do blog Cuidar da Mente

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